Enquanto a perspectiva de um cessar-fogo continua distante na Ucrânia, o retorno de prisioneiros de guerra tem sido o único avanço significativo resultante das negociações em Istambul entre russos e ucranianos. No último intercâmbio, em 14 de agosto de 2025, várias mulheres civis foram libertadas. Dentre elas, Yuliia Panina, Maryna Berezniatska e Svitlana Holovan, todas são da região de Donetsk, que recuperaram a liberdade há poucos dias, após seis anos de cativeiro nas mãos dos russos.
Elas se pronunciaram em Kiev sob aplausos calorosos de algumas dezenas de participantes da conferência, caminham até o palco onde relataram horrores vivenciados na Rússia. Na sala, o sentimento foi de emoção enquanto as três mulheres eram apresentadas por Liudmyla Huseinova, diretora da ONG Numo Sisters, organizadora do evento. Ela própria é sobrevivente das prisões russas, onde suportou três anos de tortura no centro de detenção ilegal Izolyatsia.
Nos centros de detenção russos, é proibido aos prisioneiros falar sua própria língua, sob pena de tortura adicional. “Antes de se juntarem a nós, elas se perguntaram se seriam capazes de voltar a falar ucraniano, depois de terem sido obrigadas a falar russo durante todo o cativeiro”, compartilha Liudmyla com o público.
As três mulheres, todas civis, foram presas em 2019 em suas respectivas cidades. Yuliia Panina foi sequestrada pelo FSB (serviço de segurança russo) enquanto levava sua filha de 13 anos à escola, em Donetsk. Ela foi a primeira a falar suas impressões do momento em que foi solta: “Quando cruzamos a fronteira e chegamos à região de Chernihiv, vimos bandeiras ucranianas. As pessoas nos saudavam, foi maravilhoso ver isso, um alívio”.
“Sobrevivemos à tortura, a esperança sempre persistiu”
Tomada pela emoção, Yuliia Panina rapidamente menciona suas companheiras de cela em Izolyatsia, um antigo centro cultural em Donetsk que se tornou tristemente famoso por ser usado como prisão e palco de abusos cometidos por carcereiros russos contra prisioneiros de guerra ucranianos.
“Para nós, o milagre aconteceu, e estamos aqui. Mas lá, na detenção, ainda há mulheres, pelo menos seis, que estão presas há muito tempo”, conta.
Svitlana Holavan, operária em uma fábrica de conservas de peixe em Novoazovsk, cidade na fronteira com a Rússia e próxima a Mariupol, foi presa em casa porque alguns de seus parentes vivem na Ucrânia independente. Isso foi suficiente para torná-la suspeita aos olhos das autoridades de ocupação ilegal.
“Ainda não consigo acreditar que esse inferno, que dominou minha vida por seis anos, acabou. Quando vi todas aquelas pessoas nos recebendo quando chegamos de ônibus, senti emoções positivas como não sentia há seis anos”, descreve Svitlana.
“Rezei tanto para que isso acontecesse, e meu suplício finalmente acabou. Esperamos muito por esse momento, sobrevivemos à tortura, mas a esperança sempre persistiu. Em breve, poderei rever meus filhos, que cresceram muito. Por isso minhas emoções, as lágrimas, a alegria, se misturam”, relata.
As filhas de Svitlana, Anna e Sofia, encontraram refúgio primeiro em Mariupol, depois no oeste da Ucrânia e finalmente na Alemanha, onde estão. A reunião da família está prevista para os próximos dias.
Seis anos de interrogatórios, abusos físicos e sexuais
Maryna Berezniatska, diretora de um abrigo para cães, foi presa sob suspeita de colaborar com os serviços secretos ucranianos. “Ainda estou digerindo tudo o que aconteceu. No momento da libertação, eu não conseguia, e ainda não consigo, expressar meus sentimentos. Não se entende imediatamente que é real, que tudo acabou, que uma nova vida começa, que tudo isso ficou para trás. O mais terrível foi o sofrimento das nossas famílias na espera. Fomos todas fortes, mas foi difícil”, diz.
Yuliia, Svitlana e Maryna, ucranianas comuns, foram acusadas injustamente de espionagem, extremismo e terrorismo. As três expressam alívio e falam com cautela sobre as torturas sofridas e situações vividas na prisão russa, mas ainda com dificuldade de descrevê-las em detalhes.
Algo que a diretora Liudmyla, já liberta há mais tempo, relata com clareza: interrogatórios diários e intermináveis, isolamento, humilhações, abusos físicos e sexuais, simulações de execução, privações dos direitos mais básicos como acesso à água, comida, higiene e medicamentos. Liudmyla destaca o apoio urgente de que essas mulheres – como todos os ex-detentos – precisam.
“É preciso reconstruir-se psicologicamente e fisicamente. Lembro que nos seis primeiros meses após minha libertação, ainda tinha picos de adrenalina. A gente se sente forte, acha que pode superar tudo sozinha, mas depois de alguns meses, os problemas de saúde física e mental começam e nos dominam. Psicólogos nos ajudam, e sou grata por isso, mas quando não se tem onde dormir, isso não ajuda. Acho que isso não é normal, pois já faz 11 anos que pessoas voltam do cativeiro, e esse problema ainda não foi resolvido”, aponta a diretora da ONG Numo Sisters.
Esperança por justiça
Na plateia, representantes de organizações de apoio a ex-prisioneiros prometem ajuda, e Viktor Missak, representante do procurador-geral, garante que a justiça será feita e que procedimentos estão sendo feitos para isso. “Muitas pessoas cometeram crimes de guerra, incluindo soldados russos e diretores de centros de detenção ilegais. Estamos identificando e acusando essas pessoas à revelia, e um dia, elas estarão no banco dos réus diante de um tribunal ucraniano ou internacional, e serão julgadas”.
Desde 2022, mais de 60 trocas de prisioneiros ocorreram entre Rússia e Ucrânia. Enquanto a Ucrânia abriu seus centros de detenção para instituições internacionais como o Comitê Internacional da Cruz Vermelha, para mostrar que os direitos humanos básicos são respeitados conforme as convenções internacionais, o destino de milhares de prisioneiros ucranianos, homens e mulheres, civis e militares, na Rússia continua extremamente precário.
A Ucrânia exige o retorno de todos os seus prisioneiros, mas até agora, a Rússia não aceitou uma troca “todos por todos”. Embora o processo judicial já tenha começado, o tempo da justiça ainda parece distante. Mas o tempo da reconstrução psicológica e física finalmente pode começar para os prisioneiros que, como Yuliia, Svitlana e Maryna, foram enfim devolvidos à Ucrânia e aos seus entes queridos.
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