Em um país binário, onde os extremos políticos constroem a bel prazer as verdades, é difícil crer que 66% dos eleitores entrevistados pela Genial/Quaest neguem ser lulistas ou bolsonaristas. Muito menos que 84% defendam que governo e oposição se unam contra o tarifaço de Donald Trump, conforme apurou a Atlas/Bloomberg, Os dados até animam centristas, mas eles tendem a não se confirmar quando o papo é eleições. Na hora do voto, não sobra espaço para as candidaturas moderadas.
O mais próximo a que o país chegou de ter uma terceira via competitiva foi com Marina Silva em 2010, com 19,3%, e em 2014, quando ela bateu em 21,32% dos votos no primeiro turno. Mas, mesmo dissidente do PT e atacada ferozmente pelo petismo durante a campanha, sua identificação com o campo à esquerda era inquestionável. Depois disso, os resultados de postulantes presidenciais fora da rinha de galo nem fizeram cócegas nos favoritos. Em 2018 Ciro Gomes chegou em terceiro com 12,47% dos votos, e Simone Tebet marcou 4,16% em 2022.
Os resultados passados só confirmam que o eleitorado pode até desejar sair da dicotomia que há anos lhe é imposta. Revela isso em pesquisas eleitorais, mas na urna crava o voto de um lado ou de outro, evidenciando a distância entre a intenção e o gesto. Não à toa esse eleitor fiel da balança é o que os dois campos buscam. Lula conseguiu atraí-los em 2022 com a união em torno da democracia, e vê chances reais de voltar a fazê-lo em nome da soberania nacional. Pode até ser, desde que não radicalize nos palanques, como vem fazendo.
Com ajuda das presepadas de Bolsonaro e dos seus – em especial do filho Eduardo -, que conspiram abertamente contra o Brasil nos Estados Unidos, Lula conseguiu sair das cordas e reaver alguns pontinhos da popularidade perdida. O suficiente para colocá-lo à frente nas pesquisas contra os candidatos que se engalfinham para ser ungidos por Bolsonaro.
Na última rodada Quaest, Lula bate com tranquilidade o inelegível, por 47% a 35%, e todos os que tentam a benção do ex, nada menos do que oito postulantes à direita e centro-direita. Os melhores colocados, o governador paulista Tarcísio de Freitas, aparece com 35%, a 8 pontos percentuais do líder Lula. Os demais, Michelle Bolsonaro e os filhos Flávio e Eduardo, os governadores Ratinho Junior, do Paraná, Romeu Zema, de Minas e Ronaldo Caiado, de Goiás, brigam entre 31% e 34% da preferência do eleitorado, enquanto o novo pessedista, Eduardo Leite, governador do Rio Grande do Sul, marca 30%. Todos com pontuação semelhante no segundo lugar.
Ainda assim, há fragilidades no bom posicionamento de Lula. Embora tenha subido para 46%, a aprovação de seu governo ainda é menor do que os 51% que o desaprovam. Só para dar um exemplo, há alguns governadores oposicionistas muito bem avaliados em seus estados, como Ratinho, com 84% de aprovação, e Caiado, com incríveis 89%, também segundo a Quaest.
A candidatura da esquerda tem um problema adicional. Enquanto o leque conservador é farto, do outro lado só existe Lula, sem plano B. Lula teria de ir para o sacrifício mesmo que daqui a um ano sua posição não seja tão confortável quanto hoje. Resta saber se, nesta hipótese, arriscaria terminar sua carreira com chances de derrota. Uma decisão para lá de complicada, consequência do personalismo que impera não só no PT, mas em todos os cantos da política brasileira, que, ao longo dos anos, frustrou a consolidação de novas lideranças.
Ainda que envoltos pela polarização, os brasileiros são mais equilibrados do que se imagina. A pesquisa Atlas/Bloomberg aponta que 60% aprovam a Polícia Civil e 56% a Militar. Confiam mais na Igreja Católica, com 53%, do que na Evangélica, aprovada por 32% e rejeitada por 48%. O STF, demonizado pelo bolsonaristas, inspira confiança em 49% dos entrevistados, e o Congresso, na lanterninha, de apenas 12%, sendo que 81% não confiam no Parlamento. A proximidade com Bolsonaro e o envolvimento na tentativa de golpe também abalou fortemente a imagem das Forças Armadas. Elas já foram a instituição mais confiável do país e amargam agora a aprovação pívia de 30% e rejeição de 58%.
Hoje, não há quem dialogue com esse Brasil ponderado. Isso vale para os postulantes a cargos majoritários e para os assentos no Parlamento. Até porque dá trabalho sair do xingatório e da rixa que gera bate-bocas, memes e audiência digital. Pior para o país, condenado a mais um ciclo de candidatos débeis e política chula.
Mary Zaidan é jornalista
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