Em meio a uma série de acusações de nepotismo cruzado no governo do Maranhão, o partido Solidariedade enviou ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), mais um pedido de apuração. Desta vez, as alegações da legenda são de que as supostas interferências familiares do governador do estado, Carlos Orleans Brandão Júnior (PSB), chegaram aos órgãos de controle, como o Tribunal de Contas do Estado do Maranhão (TCE-MA) e a Secretaria de Transparência e Controle.
Dentro de um ação na qual Moraes já afastou oito parentes de Brandão, a RCL nº 69.486, o Solidariedade avalia que o Maranhão vive uma situação de “nepotismo estrutural”. A reclamação do partido deve-se à eleição do sobrinho do governador, Daniel Itapary Brandão, para a presidência do Tribunal de Contas do Estado, em eleição interna feita em 11 de dezembro. A nomeação de Itapary como conselheiro já tinha sido questionada, mas o Tribunal de Justiça local a considerou válida e legal.
Daniel foi eleito por unanimidade para presidir a Corte de Contas e será o chefe do TCE-MA no biênio 2025/2026. O filho de um irmão do governador entrou no tribunal em 2023, já no mandado do tio no Executivo, na vaga aberta em razão da aposentadoria do conselheiro Edmar Serra Cutrim.
O desembargador Jamil de Miranda Gedeon Neto, do Tribunal de Justiça do Maranhão (TJ-MA), foi o responsável por suspender a decisão do juiz Douglas de Melo Martins, que tinha anulado a nomeação de Daniel Itapary Brandão para a vaga de conselheiro.
Agora, nesta terça-feira (17/12), o Solidariedade questiona a eleição e alega ainda que o sobrinho do governador é “casado com Renata Cancian Mochel Brandão, irmã do Secretário de Transparência e Controle, Raul Cancian Mochel”. Ressalta ainda que secretário de Estado de Planejamento e Orçamento do Governo do Maranhão, Vinicius César Ferro Castro, é casado com a irmã de Daniel Itapary Brandão, ou seja, cunhado do novo presidente, que toma posse em 2025.
“Os titulares da tesouraria estadual, do controle interno e do controle externo são todos parentes em segundo grau por afinidade. Quem planeja e executa orçamento está blindado pelos seus parentes, nos controles interno e externo. Sem dúvidas, um caso inédito no país”, acusa o Solidariedade em documento enviado ao STF.
Diante das alegações, o partido pede ao STF o afastamento de Daniel Brandão do cargo de conselheiro do TCE-MA e da presidência; além de pleitear o “afastamento imediato de todos os parentes do governador do Maranhão, até o terceiro grau, de cargos políticos no Governo Estadual, em razão da configuração de nepotismo estrutural e cruzado”.
Apoio a Daniel Brandão
Em meio aos questionamentos do Solidariedade e afastamentos por decisão do ministro Alexandre de Moraes, a Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon) e o Conselho Nacional de Presidentes dos Tribunais de Contas (CNPTC) divulgaram nota pública conjunta em defesa da eleição da cúpula diretiva do TCE-MA, bem como em defesa do conselheiro Daniel Itapary Brandão.
A associação e o conselho se posicionaram contra o pedido de tutela de urgência no âmbito da Reclamação Constitucional nº 69.486, ajuizada pelo Partido Solidariedade.
“A investidura do conselheiro Daniel Itapary Brandão foi realizada em plena conformidade com os ditames constitucionais e legais aplicáveis, respeitando os procedimentos previstos na Constituição Federal, na Constituição Estadual e na legislação específica”, diz a nota das entidades.
Sobre a eleição do sobrinho de Carlos Brandão, as entidades ressaltam o TCE-MA “seguiu o devido processo legal e legítimo, conforme estabelecido na Lei Orgânica e no Regimento Interno daquela Corte de Contas. Tal procedimento está em perfeita harmonia com os artigos 73 e 96 da Constituição Federal, que asseguram a autonomia administrativa e organizacional dos Tribunais de Contas, incluindo a eleição de seus órgãos diretivos, como garantia fundamental à independência do controle externo”, completaram.
A Atricon e o CNPTC afirmam ainda que “a investidura, posse e exercício de funções diretivas pelo conselheiro são absolutamente hígidos, não havendo qualquer fundamento jurídico que sustente sua impugnação ou afastamento”.
Nomeações e suspensões
No último dia 13 de dezembro, dois dias após a eleição da presidente do TCE-MA, 0 ministro Alexandre de Moraes, do STF vedou a nomeação do irmão de Carlos Brandão, Marcus Barbosa Brandão, para qualquer cargo ou função pública no âmbito dos Três Poderes do Estado do Maranhão depois de o chefe do Executivo local tentar “burlar” uma determinação do ministro.
Em 9 de dezembro, Moraes determinou a suspensão da nomeação de Marcus Barbosa Brandão como diretor de Relações Institucionais da Assembleia Legislativa do Estado pela suspeita de nepotismo cruzado. O governo cumpriu a ordem. No entanto, três dias depois, em 12 de dezembro, o governador nomeou o irmão em outro cargo, o de secretário de Estado Extraordinário de Assuntos Legislativos, conforme Ato publicado no Diário Oficial do Estado:
Moraes considerou que o governador, ao nomear o irmão em “Cargo de secretário de Estado Extraordinário de Assuntos Legislativos, que, pela nomenclatura, demonstra atribuições de articulações entre o Poder Executivo e o Legislativo, frise-se escopo esse que já consta como finalidade da Secretaria de Estado de Articulação Política, o fez em clara pretensão de manutenção da prática do favorecimento e nepotismo cruzado”.
Assim, na decisão de 13 de dezembro, mandou suspender a nomeação e qualquer outra na administração pública local e fez um alerta: “A repetição de nomeações com flagrante desvio de finalidade, em tese, pode caracterizar improbidade administrativa”, disse na decisão.
Cruzada para demissão de parentes
Em 9 de dezembro, Moraes afastou três pessoas das funções no Maranhão por suspeita de nepotismo. Em outubro, o ministro do STF, havia suspendido, de forma imediata, nomeações de parentes diretos e indiretos do governador do Maranhão, Carlos Orleans Brandão Júnior.
Os afastamentos do dia 9 tratavam de cargos na Assembleia Legislativa. Moraes determinou, em decisão liminar, o afastamento imediato de três parentes de Carlos Brandão que ocupavam cargos de direção na Assembleia Legislativa. Segundo a determinação, as nomeações violaram a Súmula Vinculante 13, que proíbe o nepotismo em órgãos públicos.
O ministro destacou a prática de nepotismo cruzado, caracterizada pela troca de favores entre poderes. No caso, parentes do governador foram nomeados para cargos no Legislativo estadual, enquanto parlamentares da Assembleia ocuparam cargos no Executivo.
Foram afastados:
- Marcus Barbosa Brandão, irmão do governador e diretor de Relações Institucionais;
- Camila Correia Lima de Mesquita Moura, cunhada de Brandão e diretora legislativa;
- Jacqueline Barros Heluy, sogra do sobrinho do governador e diretora de Comunicação Social.
Além do afastamento com suspensão de remuneração e benefícios, o ministro intimou nove deputados estaduais a prestarem informações em 48 horas para apurar possíveis práticas de nepotismo cruzado entre os Poderes Legislativo e Executivo.
São eles:
- deputados estaduais Dr. Yglésio, Mical Damasceno e Othelino Neto — para que prestem informações sobre a existência ou inexistência de investidura em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta do Poder Executivo de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade;
- deputados estaduais Rodrigo Lago e Rildo Amaral — para que forneçam os nomes e cargos ou funções dos cônjuges, companheiros ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade ocupante de cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta do Poder Executivo de cônjuge;
- deputados estaduais Fabiana Vilar, Aluizo Santos, Rosangela Vidal e Vinícius Loro — para que prestem esclarecimentos sobre a existência ou inexistência de investidura em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta do Poder Executivo de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade.
Na determinação, o ministro destacou que “o amadurecimento democrático brasileiro vem permitindo que tradicionais problemas na administração pública, no âmbito dos Poderes estatais, possam ser discutidos sob o prisma do interesse público e visando a atender os reclamos éticos da sociedade, para que se possam expurgar práticas prejudiciais à nação”.
A decisão ocorreu no âmbito de uma ação do partido Solidariedade que pediu ao Supremo o reconhecimento da prática de nepotismo cruzado entre o Legislativo e o Executivo estadual do Maranhão, bem como a nulidade de todas as nomeações e contratações dos parentes do governador indicadas na reclamação.
Os nomeados em cargos públicos que não necessitam de concurso têm parentesco direto ou indireto com o chefe do Executivo local – como marido da sobrinha, sobrinha, cunhada e concunhado do governador – em cargos altos vinculados à gestão.
Mais cinco afastados
Em outubro, Moraes mandou suspender a nomeação de cinco pessoas no âmbito da ação questiona atos administrativos praticados pelo governador Carlos Orleans Brandão Júnior, pela Assembleia Legislativa do Estado do Maranhão, pela Companhia Maranhense de Gás (Gasmar) e pelo Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas do Maranhão (Sebrae-MA).
A ação da legenda apontava o nome de 14 pessoas ligadas ao governador e nomeadas na administração pública. No entanto, Moraes verificou que nove delas eram servidoras públicas, ou seja, aprovadas em concurso público. Por isso, mandou suspender a nomeação só de cinco.
Moraes considerou que a Lei Federal nº 14.230, de 25 de outubro de 2021, que promoveu profundas alterações na Lei Federal nº 8.429, de 2 de junho de 1992, “introduziu expressamente o nepotismo, seja ele puro ou cruzado, entre os atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da administração pública”.
Assim, em outubro, concedeu suspensão imediata das funções e, consequentemente, do exercício de cargos e funções de:
- Ítalo Augusto Reis Carvalho: suspensa nomeação tanto em relação ao cargo de subsecretário da Secretaria de Estado da Infraestrutura (Sinfra) do Governo do Maranhão, quanto ao cargo de conselheiro da Maranhão Parcerias (Mapa). É casado com uma sobrinha do governador Carlos Brandão;
- Mariana Braide Brandão Carvalho: suspensa nomeação como coordenadora da Unidade Sorrir da Secretaria de Estado da Saúde (SES) do Governo do Maranhão (se ainda estiver ocupando o cargo). É sobrinha do governador;
- Melissa Correa Lima de Mesquita Buzar: suspensa a nomeação de subsecretária da Secretaria de Estado da Administração (Sead). É cunhada do governador;
- Gilberto Lins Neto: suspensa a nomeação no cargo de diretor-presidente da Empresa Maranhense de Administração Portuária (Emap). É marido da sobrinha do governador;
- Elias Moura Neto: suspensa nomeação como gerente de Qualidade e Planejamento da Companhia de Gás do Maranhão (Gasmar). É concunhado do governador Carlos Brandão.
Nota
Em nota sobre a decisão do dia 9, que afastou o irmão do governador do Legislativo, o governo do Maranhão disse que “decisão judicial é para ser cumprida” e que, apesar disso, “os meios processuais e recursais cabíveis serão devidamente tomados, considerando que não se vislumbrou qualquer prática de nepotismo cruzado, conforme estabelecido pela Súmula Vinculante nº 13 do STF”.
O governo maranhense lembrou que “parecer da Procuradoria-Geral da República já apresentado na Reclamação Constitucional nº 69486, processo relacionado ao caso em questão” reforça o posicionamento de que não foi praticado nepotismo.
No dia 12, o governo nomeou novamente Marcus no cargo de secretário. O governo ainda não se manifestou sobre a nova decisão de suspender a nomeação, nem sobre a situação do TCE-MA. O espaço permanece aberto.