Após juiz proibir albergue, moradores planejaram festa com churrasco


Os moradores de Vicente Pires planejaram um churrasco para comemorar a decisão do juiz da Vara do Meio Ambiente, Carlos Frederico Maroja Medeiros, de suspender a instalação de um albergue social na região adminstrativa.

Em um grupo no WhatsApp denominado “Casa Social em Vicente Pires não”, a associação mostrou entusiasmo com a liminar do juiz. O grupo conta com a participação de Ricardo Castro, que é dono do perfil “Taguatinga da Deprê” –denunciado por aporofobia.  Ele se identifica como presidente da comissão de cidade da Ordem dos Advogados do Brasil, pela seccional do Distrito Federal (OAB-DF). Castro apresenta a ideia: “churrasco hoje na porta do albergue kkkk”.

Em seguida, uma moradora sugere que a comemoração fique para o dia seguinte por uma questão de logística. O grupo lança então uma listinha do que cada um vai levar. Por fim, como mostra a mensagem do contato identificado apenas como “Deus é Fiel” fica estabelecido um lanche comemorativo, com bolo, suco e pastel. A ideia é que o churrasco seja feito após os moradores “ganharem a guerra”, conforme consta nos textos. Veja:

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Conversas no grupo dos moradores de Vicente Pires

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Conversas no grupo dos moradores de Vicente Pires

Material cedido ao Metrópoles

Uma outra moradora declara que se o abrigo for instalado em Vicente Pires vai acabar com a paz dos moradores, o que ela define como pedacinho de céu. A moradora alega que o governo pega os impostos que ela paga para prejudicá-la no fim das contas. Vicente Pires foi por quase 50 anos uma região irregular, fruto de grilagem e de invasão em uma construção desordenada, conforme apontou a própria CPI da grilagem em 1995.

O presidente da Associação dos Moradores do Setor Habitacional Vicente Pires (Amovipe), Gilberto Camargo, declara que é para os moradores fazerem manifestação caso a liminar seja suspensa. Segundo ele, é possível que a associação “barre a entrada dos usuários [do abrigo]”.

O grupo tem por finalidade unir moradores que “não aceitam a instalação de um “Albergue/Casa Social/POP/Hotel Social” na Rua 02. Aqui iremos informar, organizar e mobilizar ações para impedir essa instalação” .

A imagem do grupo é um texto dizendo que os moradores não são contra o assistencialismo, mas entende que o local não é o adequado. Os moradores alegam que a casa escolhida não é capaz de oferecer um conforto seguro às pessoas que vivem nas ruas.

A reportagem procurou os moradores no grupo que alegaram não ter havido churrasco e que não há mal algum em comemorar uma decisão que tenha sido favorável ao interesse da comunidade.  A reportagem questionou os moradores sobre a incoerência em apontar a falta de documentação sendo que parte de Vicente Pires também segue sem regularização.

Os moradores não responderam esse ponto, mas acusaram as pessoas em situação de rua que seriam acolhidas pela casa social como as responsáveis pela violência em locais como Taguaparque.

O presidente da Amovipe disse que a associação não compactuou com qualquer tipo de comemoração, portanto não aceitou participar de nada com moradores que “pensam diferente dos nossos objetivos e por isso, não houve o tal churrasco anunciado”, completou.

Liminar

Na decisão, o juiz Maroja justificou que acolher pessoas em situação de rua em uma casa social apresentaria risco à segurança da comunidade. “Há também periculum in mora [perigo na demora] consistente no possível dano urbanístico e no risco à segurança e bem-estar dos potenciais usuários e da comunidade local, em razão da instalação e funcionamento iminente ou atual do equipamento público”, destacou o magistrado em 21 de agosto.

A decisão foi embasada em um vídeo enviado pela pela Associação dos Moradores do Setor Habitacional Vicente Pires (Amovipe) em que o albergue não teria alvará para funcionamento. No texto, contudo, Maroja aponta que o argumento é contraditório, já que o licenciamento para edificações “não são características muito encontradas na região de Vicente Pires e na Colônia Agrícola de Samambaia, núcleos urbanos informais ocupados e edificados de modo inteiramente desconforme à lei”.

Ainda assim, o juiz defende que uma “má conduta disseminada não pode virar regra geral”. Para ele, a falta de alvará apresentada em um vídeo da associação dos moradores é fator importante para suspender até que haja a comprovação do licenciamento.

Em 8 de agosto, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios pediu que o abrigo em Vicente Pires fosse aberto em caráter de urgência, com o objetivo de priorizar o acolhimento de famílias com crianças e adolescentes.

Após a decisão, a Defensoria Pública do Distrito Federal (DPDF) anexou no processo o documento com a comprovação do licenciamento obrigatório. No parecer, a defensoria alega que a associação “faz uma cambalhota argumentativa apenas com a intenção de justificar o fato de que a classe média de Vicente Pires ‘não quer’ um serviço socioassistencial na vizinhança”.

‘Indesejáveis da vizinhança’

A DPDF lembra ainda que Vicente Pires surgiu como uma ocupação irregular que durou mais de 50 anos, podendo só ser regularizada há 3 anos após acordo da União com o Distrito Federal.

“Aparentemente, a mesma associação que tanto lutou pela regularização fundiária, agora tenta se utilizar da legislação urbanística como instrumento para retirar os ‘indesejáveis’ da vizinhança. O sonho do oprimido é ser o opressor. As manifestações realizadas pela comunidade contra a instalação do serviço de acolhimento demonstram que a questão nunca foi urbanística”, alega a defensoria.

Em nota, a Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedes-DF) informou que houve reunião com o MPDFT e a comunidade, com elucidação de dúvidas e mudança do público acolhido na casa para mulheres e crianças.

“A Secretaria foi notificada pela Justiça e seus corpos técnico e jurídico estão trabalhando e avaliando os próximos passos de modo que atenda à população local sem deixar de garantir proteção social das mulheres e crianças acolhidas”, destacou nota.

O  Metrópoles procurou a Amovipe, que, por nota, disse que “repudia de forma veemente as acusações de ‘aporofobia’ ou de qualquer tipo de preconceito contra pessoas em situação de rua”.

A associação diz, ainda, que trabalha pela reinserção social das pessoas em situação de vulnerabilidade. “Já retiramos dezenas de pessoas das ruas. Atualmente, três famílias que viviam em situação de rua estão sob nossos cuidados diretos. Uma família já foi inserida no mercado de trabalho e duas vivem em uma casa mobiliada pela Amovipe, recebendo apoio, alimentação e acompanhamento. Nesse processo, já atuam como servente de obra e diarista, além de receber capacitação em artesanato”, disse.

A Amovipe argumenta, ainda, que não faz crítica às pessoas em situação de rua, mas que é contra “soluções improvisadas, ilegais e indignas”.

“O imóvel foi corretamente interditado pela Justiça porque não possui alvará válido, está em rua sem saída, sem rotas de fuga adequadas, foi construído como residência unifamiliar, sem projeto registrado no CREA/CAU, não tem habite-se residencial nem averbação em cartório. Não atende requisitos mínimos de acessibilidade, ventilação, salubridade, segurança e infraestrutura, não possui saídas de emergência, número adequado de banheiros, cozinha coletiva regularizada, recuos obrigatórios, nem área de estacionamento para o fluxo previsto”, finalizou.



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