Fintechs, grifes e cavalos: os disfarces do dinheiro sujo


Colocação, ocultação e integração. Complexo, o crime de lavagem de dinheiro baseia-se em três pilares essenciais que garantem a sustentação da estrutura financeira de criminosos e facções. Em entrevista à coluna, o delegado da Polícia Civil do Rio de Janeiro (PCERJ), Ricardo Carraretto, coordenador do Laboratório de Tecnologia contra a Lavagem de Dinheiro, detalhou os “disfarces do dinheiro sujo”.

Carraretto explica que o laboratório funciona como um órgão de assessoramento das delegacias do estado, recebendo quebras de sigilos fiscais e relatórios de inteligência financeira do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) para análise.

Segundo o delegado, há um modus operandi clássico na fase inicial do processo: a colocação. “Os criminosos ainda utilizam empresas de fachada e pessoas interpostas — popularmente conhecidas como laranjas”, afirma.

A segunda etapa do crime é a ocultação, quando o objetivo é afastar o capital da sua origem ilícita. “É nessa fase que os valores são ‘pulverizados’ por meio de transações sucessivas, envolvendo, muitas vezes, empresas que sequer existem”, destaca Carraretto.

Por fim, os criminosos chegam à integração, quando os recursos obtidos de forma ilícita são inseridos na economia formal. “Essa é a última etapa, em que buscam dar aparência de legalidade ao dinheiro”, completa.

Fintechs na mira

Para dar robustez ao esquema, os criminosos realizam grandes movimentações financeiras, cada vez mais apoiadas em novas tecnologias. Carraretto aponta que relatórios de inteligência obtidos em quebras de sigilo bancário e fiscal têm revelado o uso crescente de fintechs — empresas que oferecem produtos e serviços financeiros por meio de tecnologia, muitas vezes substituindo ou complementando os serviços bancários tradicionais.

“Já identificamos casos em que fintechs foram usadas para lavagem de dinheiro, tanto no Rio de Janeiro quanto em São Paulo, por organizações criminosas como o Comando Vermelho (CV) e o Primeiro Comando da Capital (PCC)”, ressalta.

Para ele, a regulamentação do setor é fundamental: “O Banco Central já avançou nesse sentido. A Resolução nº 257/2022, por exemplo, determinou que, até 2029, fintechs que ultrapassarem determinados limites de movimentação precisem se registrar como instituições de pagamento. Isso vai aprimorar a regulação e a fiscalização”, avalia.

Luxo como fachada

Além da tecnologia, setores como obras de arte, joias, cavalos e artigos de luxo são frequentemente utilizados para dar aparência legal ao dinheiro sujo.

A Lei nº 9.613/1998, que criou o Coaf, estabeleceu as bases legais para combater a lavagem de dinheiro e, desde 2013, determina que operações em espécie iguais ou superiores a R$ 30 mil devem ser comunicadas. “Lojas de artigos de luxo precisam implementar políticas de ‘conheça seu cliente’ e notificar operações suspeitas ao Coaf. Caso não o façam, podem ser responsabilizadas”, explica Carraretto.

O delegado ressalta que o combate à lavagem de dinheiro exige atualização permanente das forças de segurança. “Os criminosos estão sempre se reinventando, estudando novas formas de lavar recursos ilícitos. Precisamos nos capacitar continuamente e usar as ferramentas mais modernas para lidar com o grande volume de dados que essas investigações demandam”, afirma.

Conexões Seguras 2025

Carraretto será moderador da Mesa 2 – “Combate a Fraudes e Lavagem de Dinheiro: tecnologia, cooperação estratégica e inteligência jurídica no combate aos crimes financeiros”, durante o Conexões Seguras 2025, evento que ocorrerá nos dias 27 e 28 de agosto no Rio de Janeiro .

A iniciativa reunirá autoridades, especialistas e representantes do setor privado para debater integração tecnológica, cooperação entre órgãos de segurança e empresas, e novas estratégias no enfrentamento aos crimes digitais e financeiros.

A proposta é fortalecer a articulação entre diferentes atores e aprimorar a capacidade de prevenção e investigação, tornando o combate ao crime organizado mais eficaz.



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