Conflitos comerciais de Trump, Guerra da Ucrânia, genocídio em Gaza, mudança climáticas. Os países do Norte Global são protagonistas nessas discussões, enquanto o Sul Global sofre com a desigualdade e os efeitos das transformações e heranças capitalistas. Estivéssemos nos anos 1960 e 70, talvez os líderes do Movimento dos Países Não Alinhados tivessem alguma relevância desse debate.
Um caminho alternativo e soberano dos países em desenvolvimento em relação à Guerra Fria. Assim nasceu em 1961, Movimento dos Países Não Alinhados (MNA), bloco político-diplomático que, entre a submissão aos EUA ou à URSS, defendia autodeterminação, o combate ao imperialismo e uma economia global mais justa, sendo a voz do Sul Global. O grupo reúne 120 nações e representa 55% da população mundial.
O embrião do MNA foi a Conferência de Bandun, realizada em 1955, na Indonésia, onde líderes de países recém-independentes discutiram formas de combater o colonialismo e fortalecer sua posição no cenário internacional. Seis anos depois, o movimento foi formalizado na Conferência de Belgrado, liderado pelo iugoslavo Josip Broz Tito, o indiano Jawaharlal Nehru, o egípcio Gamal Abdel Nasser e o indonésio Sukarno. Na ONU, o grupo marcou posição pela luta fim do apartheid na África do Sul e o apoio a movimentos de independência na África e na América Latina. O Brasil jamais integrou o grupo.
No entanto, o movimento começou a perder força com a dissolução da União Soviética, em 1991. Nos anos 2000, o grupo passou a se concentrar em temas como desenvolvimento sustentável, desigualdade global e defesa do multilateralismo. No entanto, a ascensão da China, e o multilateralismo criou em um novo dilema: como equilibrar relações do grupo?
A política de sanções do primeiro governo Trump afetou diretamente membros do MNA, como Irã, Cuba e Venezuela. A retirada dos EUA do Acordo de Paris sobre o clima também desagradou o bloco, que tradicionalmente defende medidas ambientais mais fortes. Diante desse cenário, o MNA passou a se aproximar mais da China e da Rússia. A distância em relação aos EUA deve aumentar no segundo mandato laranja.
Na votação da ONU que condenou a invasão russa à Ucrânia, Índia, África do Sul e Argélia se abstiveram enquanto Cuba e Nicarágua apoiaram Moscou. Essa postura reforçou a ideia de que o MNA ainda preserva sua identidade de não alinhamento, mas também expôs as fragilidades do movimento, que não conseguiu adotar uma posição conjunta sobre o conflito.
A Palestina sempre foi um tema central para a coalizão, que desde sua fundação defende o direito a um estado soberano e condena a ocupação israelense. Apesar de ser uma posição majoritária, Índia e Egito mantêm uma postura diplomática, buscando intermediação no conflito.
A ascensão econômica da China e sua rivalidade com os EUA representam um dos maiores desafios para o MNA no século XXI. Pequim tem investido bilhões de dólares em países não alinhados, financiando projetos de infraestrutura na África, América Latina e Ásia. A Índia, um dos líderes históricos do MNA, tem buscado equilibrar relações com ambos os lados, mas existem dúvidas sobre um possível neocolonialismo econômico chinês dentro do bloco.
Sua última reunião de cúpula ocorreu ano passado em Uganda e gerou a Declaração de Kampala. O documento estabelece a reafirmação do não alinhamento em relação à disputa entre EUA, China e Rússia, critica a política “dois pesos e duas medidas” do Ocidente”, que condena a Rússia pela invasão da Ucrânia, mas apoia Israel contra os palestinos e mais uma vez faz um pedido por reformas na governança global**, com maior participação dos países do Sul Global em organizações como o FMI e o Banco Mundial.
Sem blocos bem definidos, fica a pergunta: não alinhado a o quê? No momento, o grupo é muito mais um fórum de discursos do que um agente de transformação real no cenário internacional. A tentativa de fortalecer um bloco econômico nunca ocorreu e estaria muito próxima do projeto do Brics, mas isso seria um escolher o lado da China e da Rússia.