Quando Chappell Roan subiu ao palco para receber o Grammy de Artista Revelação, no último domingo (2/2), poucos esperavam um discurso tão forte e simbólico. A cantora aproveitou o momento para ecoar a insatisfação de muitos artistas, exigindo melhores condições e remuneração na indústria musical – uma realidade que também afeta músicos no Brasil.
Em abril de 2023, Anitta deixou a Warner Music para assinar com a Republic Records, da Universal Music Group. Na ocasião, ela desabafou e aconselhou os artistas mais novos a terem “cuidado” com o que assinam e disse que foi ingênua ao fazer “essa merda” com ela “há mais de 10 anos”.
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Mais recentemente, Larissa Manoela entrou na Justiça para tentar se desvencilhar de um contrato assinado por seus pais quando ainda era menor de idade. Em 2012, quando ela ainda tinha 11 anos, seus genitores assinaram um contrato vitalício com a gravadora Deckdisc. Ela alega que o vínculo é abusivo e que não tem acesso aos valores arrecadados com as músicas.
Chappell foi influenciada por sua própria experiência profissional. Quando ainda era menor de idade, assinou contrato com uma gravadora e, após ser dispensada, encontrou dificuldades para encontrar emprego, já que tinha sua vida pautada na música, e não conseguia, sequer, pagar um plano de saúde, em plena pandemia.
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Chappell Roan alertou para as condições de trabalho dos artistas
Dimitrios Kambouris/Getty Images
Freitera passou por problemas com gravadora
Reprodução/Instagram
Anitta denunciou o trabalho na Warner e deixou a empresa
Reprodução
Larissa Manoela luta na Justiça para romper contrato vitalício
Reprodução/Instagram
Dani Ribas explica as mudanças na indústria da música ao longo dos anos
Patrícia Soransso
Ao Metrópoles, Fredímio Biasotoo Trotta, advogado de artistas como o cantor Toninho Geraes, explicou que, hoje, muitas gravadoras atuam apenas como distribuidoras. Com isso, parte do trabalho que antes era responsabilidade delas, como a divulgação, passou a ser feita pelos próprios artistas.
Apesar dessa mudança, os contratos continuam seguindo os mesmos percentuais de antes, mantendo uma relação desigual. Sobre esse cenário, Dani Ribas apresentou dados que evidenciam como essa conta não fecha para os músicos.
Doutora em Sociologia pela Unicamp e consultora de planejamento e gestão de carreiras na música, Dani analisa os ganhos da indústria musical com base em dados e no comportamento do público. Para ela, o modelo atual de streaming foi criado para resgatar uma indústria em crise, mas não favorece os artistas.
Uma pesquisa da Federação Internacional da Indústria Fonográfica mostra que, em 1999, o setor faturou US$ 22,2 bilhões. Com a chegada dos formatos digitais, esse valor caiu e atingiu o menor nível em 2014, quando chegou a US$ 13 bilhões.
“A indústria não soube lidar com essa mudança, denunciou como pirataria e fez com que os artistas trabalhassem para criminalizar o que chamavam de pirataria”, afirmou Ribas. No entanto, a saída encontrada foi se associar às plataformas digitais. “Hoje, cerca de 58% dos ganhos do streaming vão para as gravadoras, enquanto os artistas ficam com menos de 10%.”
Ainda segundo a pesquisa, em 2023, a indústria fonográfica alcançou um faturamento recorde de US$ 28,6 bilhões, provando que a crise ficou para trás. “Isso mostra que as gravadoras estão lucrando como nunca, mas às custas dos artistas, sem repassar os percentuais que eles merecem”, destacou.
Para Dani, o discurso da indústria dificilmente mudará, mas Chappell Roan surge como mais uma voz nessa luta. “Enquanto não houver uma revisão estrutural do modelo, nada vai mudar, porque o poder econômico das grandes gravadoras garante que elas continuem sendo as principais beneficiadas”, concluiu.
Para Jeff Nuno, CEO da Lujo Network, empresa especializada em distribuição digital de música, os artistas precisam encontrar formas criativas de escapar de contratos desfavoráveis e concentrar mais números para se destacar com sua arte.
“É preciso focar no crescimento dos números e na criação de uma comunicação ativa com o público. Em determinado momento, se o artista alcançar resultados expressivos nas redes sociais e tiver uma música de sucesso, essa visibilidade naturalmente ampliará sua audiência”, afirmou.
O lado do artista
O produtor musical Gomes Freitera já enfrentou problemas com gravadoras e acompanhou de perto dificuldades vividas por artistas que produziu. Segundo ele, a relação entre artistas e gravadoras muitas vezes é rígida, com um tratamento semelhante ao de funcionários, mas sem os direitos correspondentes.
Ele relatou uma experiência vivida quando um parceiro musical foi contratado por uma gravadora. “A gravadora não queria contratá-lo como funcionário, mas queria que eu continuasse trabalhando com o artista, com quem já colaborava há anos. Como era visto apenas como um anexo, não tive direito a salário nem a royalties”, afirmou.
Freitera explicou que, nesse modelo, se um profissional recebe salário, ele perde o direito a royalties pela produção. “Se você trabalha nessa área, deveria receber royalties. Mas as gravadoras se aproveitam do fato de que muita gente está buscando oportunidades e empurram contratos desfavoráveis”, criticou.
Ele destaca ainda que, quando uma empresa paga salário, tenta reduzir ao máximo outros direitos. No caso dos produtores musicais, isso se torna ainda mais problemático. “Muitos produtores também são compositores das músicas. Quando se retira esses direitos, pode-se até negar os direitos autorais do artista”, alertou.
Toninho Geraes x Adele
Como exemplo, há a situação de Toninho Geraes, que está na Justiça por conta de um plágio da música Mulheres, de 1995, que foi “adaptada” por Adele na canção Million Years Go. Na época, o cantor ficou entusiasmado com a possibilidade de gravar, ter suas obras editadas e distribuídas. Ele assinou com uma gravadora que viria a ser adquirida pela Universal.
“Um contrato de adesão, verdadeiramente leonino. Muitos direitos para a editora, raros para o artista”, detalhou o advogado de Toninho, Fredímio Biasotoo Trotta. Em uma dessas cláusulas, a editora se obrigava a ajudar na defesa do cantor em caso de violação de direitos autorais por terceiros. Entretanto, não foi assim que aconteceu — a Universal também é a gravadora de Adele.
“Comunicada e, depois, notificada, o que faz a editora/gravadora? Inicialmente nada, nada em defesa do artista brasileiro. Mas não existia uma cláusula de defesa do artista contratado? Letra morta. No lugar de cumpri-la, a Universal passa a dizer que ‘não é plágio’”, disse. A empresa tentou uma reconciliação após a Justiça dar ganho ao brasileiro, mas não ofereceu qualquer proposta de acordo.
“O representante da editora tem a coragem de intervir e dizer que a Universal ‘quer receber uma parte’ do que o brasileiro receberia de indenização, ‘por causa do contrato’”, relembrou.