Durante séculos, a medicina tem dividido as noções de saúde em dois terrenos específicos: a mental e a física, com especialistas e estruturas separadas para tratar as duas facetas do organismo. Mas a crescente proporção de tratamentos integrados mostra que esta divisão pode cair por terra.
Nos últimos anos, a separação entre as categorias tem se provado menos adequada, seja por pacientes com problemas físicos que manifestam alterações de seu comportamento psíquico (como pessoas com câncer de cérebro que sofrem mudanças de personalidade) ou por indivíduos com dores físicas que parecem surgir na mente (como a fibromialgia, já categorizada entre as piores dores do mundo, que pode ter origem em traumas e estresse crônico).
Por isso, cada vez mais profissionais da saúde têm sustentado que a divisão entre saúde física e mental não funciona no organismo. “Mesmo quando pensamos em males exclusivamente físicos, podemos ter quadros tão incômodos e prolongados que é impossível pensar que o paciente tenha o bem-estar mental intocado ao tratar deles. Por isso, boa parte do tratamento de dores agudas, por exemplo, costuma envolver também o psíquico”, explica o anestesiologista Carlos Marcelo de Barros, presidente da Sociedade Brasileira para Estudo da Dor (SBED).
Os médicos também apontam que não faz sentido pensar uma categoria separada de doenças confinadas apenas à mente. Condições conhecidas por seu impacto mental, como a depressão, envolvem mudanças neurobiológicas no funcionamento do cérebro. Até um mal-estar que parece ser puramente psíquico, como o luto pela perda de um amor, pode levar a mudanças físicas do funcionamento do organismo nas chamadas manifestações psicossomáticas.
“Temos um leque grande de doenças psicossomáticas que levam a sintomas tão intensos que limitam a qualidade de vida. Nestes casos, o fato de não se ter uma explicação médica evidente para os sintomas não é suficiente para dizer que não há nada ali. Na realidade, o que vemos são mais pacientes com diagnósticos de doenças físicas e que também acabam desenvolvendo doenças psicossomáticas pelos traumas do tratamento”, explica o psiquiatra Gabriel Okuda, do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo.
Saúde mental e física no mesmo tratamento
Nos últimos anos, a medicina parece ter encontrado benefícios em fazer tratamentos psíquicos para problemas que em geral eram abordados apenas do ponto de vista físico.
Terapias como estimulação magnética transcraniana, por exemplo, uma série de impulsos elétricos que tem sido usada no tratamento de depressão e transtorno obsessivo compulsivo (TOC), também parece ser útil para questões físicas. A síndrome do intestino irritável, por exemplo, que causa cólicas estomacais, inchaço, diarreia e constipação, parece melhorar com a neuromodulação de regiões do cérebro como o nervo sacral.
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Há anos, os médicos também conhecem um efeito entre pacientes que estão há muito tempo internados: quando eles acreditam que possuem uma maior chance de se recuperar totalmente, os sintomas podem retroceder. Estima-se, por exemplo, que ser uma pessoa com fé pode reduzir o risco de morte em até 30%. Enquanto isso, ser solitário e se sentir desestimulado a viver pode aumentar em mais da metade o risco de ter um acidente vascular cerebral (AVC).
O contrário também é válido: para os psicólogos, avaliar manifestações de sintomas do corpo também ajuda a entender melhor os diagnósticos dos sofrimentos psíquicos de seus pacientes, como as relações da ansiedade e o funcionamento do intestino ou da depressão com a febre emocional.
“Escutar o que o corpo expressa, compreendendo que ele muitas vezes fala o que a alma não consegue traduzir em palavras, é uma das experiências mais profundas e transformadoras que um ser humano pode vivenciar”, defende o psicólogo Rossandro Klinjey, de São Paulo.
Doenças que afetam mente e corpo
Entre as condições que desafiam a divisão entre mente e corpo está o distúrbio neurológico funcional (FND), em que os pacientes apresentam sintomas como convulsões, paralisia ou dor crônica, sem terem causas físicas detectáveis. A incapacidade resultante da condição é comparável a doenças como epilepsia ou esclerose múltipla.
Outro fenômeno emergente é o burnout, estado de estresse crônico em que indivíduos, em geral por pressões do ambiente de trabalho, sofrem impactos negativos em sua saúde física, com casos de exaustão extrema, indisposição digestiva e até anorexia motivada pelo esgotamento mental.
A fibromialgia, condição que afeta 3% dos brasileiros, também exemplifica a complexa relação entre corpo e mente. Caracterizada por dor generalizada e sensibilidade ao toque, a doença dolorosa costuma ser controlada com atividade física e terapias integrativas, além de medicações para a dor.
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