O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) começou a utilizar, em janeiro de 2025, a inteligência artificial para criação automática de relatórios, minutas e documentos processuais, em parceria com a Microsoft. Em entrevista à coluna Grande Angular, o presidente do TJDFT, desembargador Waldir Leôncio, disse que o objetivo é apoiar a produção nos juízos do tribunal.
“A intenção é aumentar a eficiência e reduzir o tempo de tramitação dos processos”, afirmou Leôncio (leia a íntegra da entrevista abaixo).
O presidente do TJDFT anunciou que a Corte irá investir cada vez mais na modernização tecnológica, a partir do lançamento do Programa de Transformação Digital (PDT).
O presidente citou que, entre as soluções de IA utilizadas pelo TJDFT, estão as ferramentas integradas ao PJe, Ártemis, Toth e Maat, que “colaboram para dar maior celeridade processual e melhorar a qualidade e confiabilidade dos dados judiciais”. Os programas identificam precedentes e indicam processos duplicados ou similares, por exemplo.
Leôncio tomou posse no cargo de presidente do TJDFT em abril de 2024, quando completou 40 anos de trabalho como magistrado da Corte. Na entrevista concedida à reportagem, o desembargador também falou sobre outros temas, como o desafogamento do TJDFT após mudança na regra de ajuizamento das ações de outras localidades e a prioridade do concurso para a Polícia Judicial em 2025.
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Eleição de foro
Segundo Leôncio, a lei que considera prática abusiva o ajuizamento de ação em tribunal sem vinculação com o domicílio ou residência das partes “tem um impacto significativo no DF”. O presidente do TJDFT disse que a Corte recebia muitas ações de outras localidades “devido à sua celeridade processual e ao baixo custo das despesas processuais em comparação com as demais unidades da Federação”.
“O TJDFT presta serviços judiciais rápidos e com o menor custo do Brasil, o que atraia demandas que deveriam ser ajuizadas perante outros tribunais. Modéstia à parte, era uma escolha que escritórios de advocacia e empresas faziam pelo melhor custo-benefício. Esse modelo sobrecarregava o nosso sistema e prejudicava a população do DF”, afirmou.
“Desde a sanção da lei, o TJDFT tem declinado de ofício a competência para evitar abusos e garantir o princípio do juiz natural, assegurando que as ações sejam julgadas no foro adequado”, disse o presidente da Corte local. A Lei nº 14.879/2024 foi sancionada pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em junho do ano passado.
Leia a entrevista com o presidente do TJDFT, desembargador Waldir Leôncio:
Jornalista: O TJDFT desenvolveu um sistema de apresentação remota por reconhecimento facial. Como foi a criação desse mecanismo? Como é possível evitar fraudes e garantir que foi, de fato, o sentenciado que fez a apresentação?
Waldir Leôncio: O Sistema de Apresentação Remota por Reconhecimento Facial (SAREF) foi desenvolvido pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT). A Assessoria de Ciência de Dados (ACID), a Coordenadoria de Infraestrutura de Tecnologia da Informação (COTEC), a Vara de Execuções das Penas em Regime Aberto (VEPERA) e o Laboratório Aurora trabalharam no projeto que foi adotado como padrão pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Hoje vários tribunais do país o utilizam.
O sistema permite que apenados em regime aberto façam suas apresentações de forma remota, por meio do reconhecimento facial e geolocalização para garantir a autenticidade da apresentação.
A segurança é garantida pelo uso de inteligência artificial que compara a foto tirada no momento da apresentação com a foto cadastrada inicialmente, além de verificar a localização geoespacial do apenado. Pode haver fraude? Sim, como tudo no emprego da tecnologia moderna, mas o apenado não teria vantagem em fraudar o sistema porque a consequência pode ser a revogação da prisão aberta e a regressão do regime, o que pode implicar o retorno à prisão de quem estava em liberdade.
A ferramenta funciona em três etapas: cadastro inicial, registro da apresentação e homologação da apresentação. Para o cadastro do apenado no sistema, é necessário o comparecimento à vara onde será armazenada a imagem inicial de sua face, a semente.
Nas apresentações remotas seguintes, o apenado faz a sua selfie no seu próprio smartphone, momento em que também é recuperada a sua geolocalização pelo sistema. O sistema compara a imagem gerada com as imagens anteriores armazenadas e somente será registrada a apresentação, caso o grau de similaridade atinja um percentual mínimo, o limiar, definido no sistema.
Após essa etapa, a imagem capturada na apresentação é enviada para a Vara, onde será feita uma auditoria humana comparando-se essa imagem com a semente. Após essa auditoria, a apresentação será homologada. Caso o servidor ou magistrado encontre alguma irregularidade na imagem, ele poderá recusar a apresentação e solicitar o comparecimento do apenado à Vara. Em casos em que o apenado já tenha um histórico de três ou mais apresentações bem-sucedidas, e onde o grau de similaridade das imagens seja muito alto, a homologação
é realizada pelo próprio sistema.
Atualmente, mais de 29,5 mil apenados estão cadastrados no sistema e mais de 238 mil apresentações foram homologadas, uma média de 12 mil por mês.
Jornalista: O TJDFT ultrapassou a marca de 4 milhões de processos judiciais eletrônicos, após 10 anos de implantação do PJe. Qual é o próximo passo do TJDFT no sentido de modernização para dar mais agilidade ao andamento dos processos?
Waldir Leôncio: O próximo passo é investir cada vez mais na modernização tecnológica e na transformação digital. O TJDFT lançou o Programa de Transformação Digital (PTD) que visa impulsionar a eficiência e a qualidade da Justiça por meio do aprimoramento dos sistemas e serviços digitais com foco no usuário.
O PDT engloba ações em cinco eixos principais: Inteligência Artificial (IA), Qualidade de Dados, Melhoria e Automação (PJe), Capacitação, Colaboração e Comunicação Digital. Entre as soluções de IA, destacam-se as ferramentas integradas ao PJe, Ártemis, Toth e Maat, que colaboram para dar maior celeridade processual e melhorar a qualidade e confiabilidade dos dados judiciais.
A solução Maat foi desenvolvida para auxiliar na identificação de teses firmadas em precedentes vinculantes ou no sobrestamento dos autos eletrônicos no segundo grau. Ela analisa todas as petições iniciais assim que são protocoladas no PJe, verifica se o pedido tem relação com demandas repetitivas e se essas demandas já foram julgadas e transitadas em julgado. Ao identificar automaticamente as teses firmadas ou recomendar o sobrestamento dos processos, a Maat ajuda a uniformizar a jurisprudência e a reduzir o tempo necessário para a análise dos processos, ao permitir que os magistrados tomem decisões mais rápidas e consistentes.
Já a Artemis, foi criada para identificar casos de litispendência, prevenção ou coisa julgada, rastrear e analisar todos os processos autuados no PJe. Ela sinaliza processos duplicados ou similares, permitindo um tratamento adequado e evitando a tramitação de processos repetidos. Ao prevenir a litispendência e identificar processos duplicados, a Artemis reduz o volume de processos desnecessários, permite que os recursos do tribunal sejam direcionados de forma mais eficiente. Isso resulta em uma tramitação mais rápida e organizada dos processos legítimos.
Por fim, a solução Toth foi desenvolvida para recomendar classes e assuntos para os processos judiciais a partir da análise da petição inicial. Ela utiliza técnicas de mineração de texto e aprendizado de máquina para classificar os processos de forma precisa e eficiente. Ao automatizar a classificação dos processos, o Toth reduz o tempo e o esforço necessários para essa tarefa, permite que os servidores do tribunal se concentrem em outras atividades mais complexas. Isso agiliza a tramitação dos processos e melhora a qualidade dos dados, além de acelerar a tomada de decisão.
Além disso, o Tribunal tem modernizado suas salas de sessões e implementado novas funcionalidades no Portal do Magistrado para otimizar a gestão das atividades dos(as) juízes(as) e desembargadores (as).
Outro projeto importante é a Implantação da Solução de Degravação de Sessões e Audiências, que permitirá a transcrição rápida e precisa dos registros, e ainda agilizar o andamento dos processos. Também temos trabalhado na integração com o sistema SITAF da Procuradoria-Geral do Distrito Federal e da Secretaria de Fazenda do DF, por meio do projeto Integração com Webservice da PGDF (Sistema SITAF), o que permitirá uma troca de informações mais ágil e segura. Além disso, a implantação do novo editor de texto CollaboraOffice no PJe trará melhorias significativas na elaboração de documentos judiciais, com funcionalidades específicas para diversas tarefas, como preparação de expedientes, realização de audiências e comunicação entre órgãos julgadores.
Iniciamos também a Migração para a Nuvem Corporativa que traz inúmeros benefícios para os cidadãos, inclui maior disponibilidade e acessibilidade dos serviços judiciais, e permite que os processos sejam acessados e acompanhados de qualquer lugar e a qualquer momento. Além disso, a escalabilidade da nuvem garante que o sistema possa lidar com picos de demanda sem comprometer o desempenho, enquanto a segurança aprimorada protege os dados sensíveis dos cidadãos. A continuidade dos negócios é assegurada, mesmo em casos de falhas ou desastres, e garante que os serviços judiciais permaneçam operacionais. Paralelamente, estamos desenvolvendo uma solução de IA generativa em parceria com a bigtech Microsoft, que apoiará a produção processual nos juízos do tribunal. Esta tecnologia permitirá a criação automática de relatórios, minutas e documentos processuais.
A intenção é aumentar a eficiência e reduzir o tempo de tramitação dos processos.
Com esses projetos, o TJDFT reafirma seu compromisso com a inovação e a melhoria contínua dos serviços prestados à sociedade, em prol da excelência na administração da Justiça.
Jornalista: Uma lei sancionada pelo presidente da República, em junho do ano passado, considera prática abusiva o ajuizamento de ação em tribunal, sem vinculação com domicílio ou residência das partes. Essa lei tem impacto em especial no DF? Por quê? O que mudou no TJDFT desde então?
Waldir Leôncio: A lei que considera prática abusiva o ajuizamento de ação em tribunal sem vinculação com o domicílio ou residência das partes tem um impacto significativo no DF, pois o TJDFT recebia muitas ações de outras localidades devido à sua celeridade processual e ao baixo custo das despesas processuais em comparação com as demais unidades da Federação. O TJDFT presta serviços judiciais rápidos e com o menor custo do Brasil, o que atraia demandas que deveriam ser ajuizadas perante outros tribunais. Modéstia à parte, era uma escolha que escritórios de advocacia e empresas faziam pelo melhor custo-benefício. Esse modelo sobrecarregava o nosso sistema e prejudicava a população do DF.
Desde a sanção da lei, o TJDFT tem declinado de ofício a competência para evitar abusos e garantir o princípio do juiz natural, assegurando que as ações sejam julgadas no foro adequado.
Jornalista: Em que pé está o novo concurso do TJDFT? Quais os cargos e prazos previstos?
Waldir Leôncio: Temos candidatos aprovados no último concurso. O Tribunal continua a dar posse aos aprovados. O concurso vigente para alguns cargos de analistas judiciários e técnicos judiciários no TJDFT, com edital publicado no Diário Oficial da União (DOU), em 28 de janeiro de 2022 (Edital Nº 1/2022, retificado em 11 de outubro de 2022), teve seu resultado homologado em 3 de novembro de 2022. Inicialmente, a validade do certame era de dois anos a partir da homologação do resultado final. No entanto, conforme a Portaria GPR 1605,
de 15 de agosto de 2024, publicada no Diário Oficial, em 19 de agosto de 2024, houve uma prorrogação do concurso por mais dois anos, estendendo sua vigência até 3 de novembro de 2026.
Atualmente, encontra-se em fase final a tramitação do estudo para a realização de um novo concurso público da Polícia Judicial. O processo licitatório se encontra na fase de escolha e contratação da banca examinadora. A iniciativa visa reforçar a segurança e a eficiência no atendimento ao público, além de suprir a demanda.
Jornalista: Quais as prioridades da gestão do TJDFT para o ano de 2025?
Waldir Leôncio: As prioridades da gestão do TJDFT para 2025 incluem a modernização tecnológica, a melhoria da eficiência e qualidade da Justiça, e a promoção da saúde e bem-estar dos magistrados e servidores. O Tribunal também está focado em fortalecer a comunicação institucional e o atendimento ao cidadão, além de promover a inovação e a eficiência na gestão.
As metas para este ano são implementação de Energia Sustentável com a instalação da nova usina fotovoltaica; finalização da Reforma do Bloco C (Palacinho) do TJDFT; conclusão do Programa de Transformação Digital (PDT), com introdução de diversas soluções de Inteligência Artificial; implantação do Programa de Residência Jurídica; criação de Sistema de Degravação e Transcrição de Audiências por IA; realização de concurso para Policiais Judiciários; implementação do Programa “Conhecendo a Justiça do DF” para estudantes do DF; ampliação do Programa de Saúde do TJDFT, com exames periódicos para magistrados e servidores, e também a implementação do Programa 70+ (visitas médicas) para aposentados do Tribunal; continuação do Programa de Valorização de Servidores Terceirizados; reinauguração do Restaurante da sede do TJDFT; criação do Centro de Treinamento para Policiais Judiciários do TJDFT; doações de veículos e ambulâncias; nova contratação do Sistema de Prevenção e Combate a Incêndio, em parceria com o Corpo de Bombeiros; destinação do novo terreno no Setor de Clubes; e melhorias e novas funcionalidades no PJE.
Jornalista: Um assunto que tem despertado interesse dos cidadãos comuns, que muitas vezes se indignam com remunerações acima do teto constitucional, é o que envolve as indenizações e outros pagamentos chamados de “penduricalhos” no Poder Judiciário. Qual é a opinião do senhor sobre essa questão?
Waldir Leôncio: A questão das indenizações e outros pagamentos no Poder Judiciário é complexa e envolve a necessidade de garantir a remuneração justa e adequada dos magistrados e servidores, respeitando os limites constitucionais. O TJDFT tem trabalhado para assegurar a transparência e a eficiência na gestão dos recursos públicos, busca sempre o equilíbrio entre a valorização dos profissionais e o respeito às normas legais, além de observar as orientações do STF e do CNJ. Além disso, submetemos nossas contas à aprovação do TCU.
Pessoalmente, reconheço que algumas carreiras jurídicas (mas não só as carreiras jurídicas, todas, como também o funcionalismo do Legislativo e outros do serviço público) têm alcançado um patamar remuneratório realmente muito elevado e difícil de justificar perante a população.
Jornalista: Para além dos processos judiciais, de que forma o TJDFT pode ajudar os cidadãos?
Waldir Leôncio: O TJDFT oferece diversos serviços para ajudar os cidadãos, como o Balcão Virtual, que facilita o atendimento remoto, a conciliação e a mediação dos conflitos em geral e familiares, a assistência aos superendividados, a Rede de Acolhimento para vítimas de assédio, discriminação e violência doméstica. Além disso, o Tribunal promove ações sociais e programas de voluntariado, como a Rede Solidária Anjos do Amanhã, que apoia jovens em situação de vulnerabilidade.