A partir da técnica de perfilamento criminal, a Polícia Civil de São Paulo conseguiu identificar, no ano passado, um assassino em série responsável pela morte de homens na zona leste da capital. As vítimas tinham conhecido o autor dos crimes por meio de um aplicativo de relacionamento.
O caso só foi elucidado com a ajuda do Núcleo de Análise Comportamental e Criminal (NACC), laboratório pioneiro do Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP).
“Um deles tinha um parceiro fixo, outro não. Nós analisamos que eles tinham sido asfixiados, um utilizando-se de um cadarço, outro de uma guia dessas que prendem cachorro”, conta a delegada Luciana Anjos Terriblli. “Foi-se criando um perfil sem inicialmente saber quem era o autor, mas sabendo as características dele, idade aproximada, o modus operandi”, acrescenta.
Montada pela diretora do DHPP, Ivalda Aleixo, a equipe multidisciplinar é formada por psicólogos, perita, investigadores e delegadas. A iniciativa avalia não apenas as cenas dos incidentes, mas também a conduta dos suspeitos e das vítimas para orientar as linhas de investigação.
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A professora Fernanda Reinecke Bonin foi encontrada morta em abril
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A mestranda Bruna Oliveira foi encontrada morta na zona leste de São Paulo, em abril
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O corpo do empresário Adalberto Amarilio Junior foi encontrado em um buraco em Interlagos, em junho
Rede social/Reprodução
Outros casos com análise comportamental
Quando a professora Fernanda Bonin foi encontrada morta com sinais de estrangulamento na zona sul da capital paulista, em abril deste ano, a hipótese inicial era a de um latrocínio. No entanto, o núcleo descartou a possibilidade e detectou que provavelmente seria um crime cometido a mando de alguém.
A apuração da polícia revelou que a ex-esposa dela, Fernanda Fazio, atraiu a vítima com uma falsa desculpa para emboscá-la com assassinos contratados.
Também em abril, após a morte brutal da estudante Bruna Oliveira, com base na análise comportamental, a equipe detalhou características do autor do crime: um possível predador sexual e morador da zona leste, pela facilidade de transitar na região.
O corpo da mestranda da Universidade de São Paulo (USP) foi encontrado em um estacionamento na Vila Carmosina depois que um homem a abordou perto da estação Corinthians-Itaquera.
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Na morte do empresário Adalberto Amarilio Junior, localizado em junho dentro de um buraco de obra no Autódromo de Interlagos, a equipe do DHPP usou as técnicas definidas pelo grupo em um suspeito, que passou, então, a ser testemunha. Um amigo da vítima havia sido a última pessoa a vê-la com vida em um evento de motocicletas.
“Não que ele fosse o autor, mas ele estava escondendo alguma coisa. Ele veio e na entrevista detectamos que realmente ele é uma pessoa extremamente tímida. Ele procurava se enturmar. Então, talvez aquele grupo de motos fosse uma forma. Força física, talvez, ele não tivesse para o tipo de morte ali e não teria motivos [para matar o amigo], entre outras coisas que nós descobrimos”, comenta Ivalda. “Falamos também com a esposa, para saber melhor quem era a vítima, e foi bem interessante.”
Posteriormente, o DHPP constatou que os principais suspeitos de assassinarem Adalberto são cinco seguranças que trabalharam em Interlagos no dia do crime. A investigação apontou, inclusive, que eles apagaram dados dos próprios celulares.
Durante os testes iniciais, o Núcleo de Análise Comportamental e Criminal reabriu um caso de 10 anos: a morte da estudante Victoria Natalini, que ocorreu durante uma excursão escolar. A equipe analisou mais de 3.600 páginas do inquérito e perfilou os comportamentos.
Coordenadora da iniciativa, a delegada Luciana Anjos Terriblli reforça que o trabalho do núcleo também evita erros graves: “Não é só você achar um autor a qualquer custo. É você evitar também que inocentes vão para a cadeia.”
Além disso, como explica Lucas Martins, o perfilamento consiste em métodos de interrogatório. “São técnicas de entrevistas cognitivas, que vêm diretamente com os princípios dos direitos humanos, para ter uma entrevista muito mais efetiva, que não seja uma entrevista coercitiva, e que garanta a qualidade daquela prova dependente da memória”.
A análise comportamental também pode ser aplicada a vítimas e testemunhas, inclusive crianças. O laboratório do DHPP engloba uma sala específica para esse tipo de atendimento.
Entenda o que é o perfilamento criminal
- Criado em 2024 pela diretora do DHPP, Ivalda Aleixo, o núcleo aplica um método investigativo que combina psicologia e análise comportamental para traçar o perfil de criminosos, vítimas e testemunhas.
- A técnica, bastante usada fora do país, ainda é recente no Brasil.
- “O objetivo é a observação do crime por meio de um olhar comportamental. Quando a gente pensa em crime, principalmente crimes contra a vida ou contra a dignidade sexual, todos os atores são pessoas, seres humanos”, explica o investigador e criminólogo Lucas Martins.
- Segundo ele, o método ajuda a descobrir o “comportamento do autor e a fazer a vitimologia, que é entender sobre a vítima e o comportamento da cena de crime.”
- Formada por psicólogos, perita, delegadas e investigadores, a equipe estuda a tríade autor-cena-vítima para montar relatórios e reduzir o número de suspeitos. Isso também inclui a análise de gostos e objetos pessoais, como o diário de um serial killer.
“Entender a vítima é muito importante. Sempre achei, em qualquer lugar em que atuei. Quem é a vítima? E por que esse crime? A gente vai aprendendo aquela cena, se é organizada, desorganizada. [O crime] foi premeditado ou não? Teve uma discussão? Teve uma tentativa de defesa? Quem entrou, arrombou, forçou a entrada, conhecia o lugar?”, explica Ivalda.
Delegadas Luciana Anjos Terriblli e Ivalda Aleixo, do Núcleo de Análise Comportamental e Criminal, no DHPP da Polícia Civil de São Paulo
Laboratório deve crescer e ganhar novas tecnologias
O núcleo foi idealizado com consultoria do psicólogo criminal Christian Costa, que já havia entrevistado diversos predadores sexuais e vítimas. “É um doutor na área, com vários anos de experiência, que veio me procurar, me deu um livro e comentou o que ele fazia. Ele havia entrevistado vários predadores sexuais e vítimas de crimes sexuais”, lembra Ivalda.
Para o futuro, a expectativa é de expansão. Mais policiais poderão integrar a equipe do laboratório e novas tecnologias devem ser incorporadas.
“Me sinto realizada e quero que o grupo cresça. A gente está já com uma sala própria, formando novos policiais que se interessem. Eles estarão sempre aqui, mas serão acionados naquele caso em que há necessidade”, conclui a diretora do DHPP.
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